Mindelo

21 January 2023

UN Secretary-General's press encounter in Cabo Verde [scroll down for Q&A and English version]

António Guterres, Secretary-General

O SECRETÁRIO-GERAL
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DECLARAÇÃO À IMPRENSA EM CABO VERDE

Senhoras e senhores jornalistas – boa tarde.
 
Senhor primeiro-ministro, gostaria muito de lhe agradecer, e de agradecer ao povo de Cabo Verde a calorosa receção e a maravilhosa hospitalidade com que me receberam.
 
Em cada uma das minhas visitas a Cabo Verde, sempre fiquei deslumbrado tanto pela beleza natural como pela riqueza cultural e por aquele sentimento único de ‘Morabeza’, se é que sou correto na citação.
 
O mundo beneficiou dessa riqueza – desde o Criolo até à Morna de Cesária Évora e de tantos outros artistas de renome – que a vossa vibrante diáspora levou além fronteiras e mares.
 
E recordo com carinho a minha visita como Primeiro-Ministro de Portugal, e o trabalho conjunto desenvolvido com vista ao estabelecimento do Acordo que citou, o Acordo de Cooperação Cambial, assinado há 25 anos.

 

Este acordo, penso, terá representado mais do que uma ligação entre duas moedas, uma conexão mais forte entre a economia cabo-verdiana, a Europa, e o mundo. E sei que Cabo Verde soube aproveitar ao máximo as potencialidades dessa conexão e as oportunidades que foram criadas.
 
Também nunca esquecerei a minha visita ao antigo campo de concentração do Tarrafal – o local de horror para tantos combatentes pela liberdade.
 
Fui lá com antigos prisioneiros, Edmundo Pedro e Sérgio Vilarigues. E as suas histórias de tortura continuam a ser motivo de profunda consternação para mim.
 
Este capítulo sombrio deve ser reconhecido e preservado. 
 
E agradeço ao povo de Cabo Verde por ter trabalhado para manter viva esta história.
 
Não posso deixar de esconder também a enorme emoção que tive, não sou muito uma pessoa que liga a honrarias, mas tive uma enorme emoção quando recebi das mãos do então primeiro-ministro [Carlos] Veiga, a Ordem de AmílcarCabral. Sei que Cabo Verde se prepara para celebrar o centenário de AmílcarCabral, e quero uma vez mais manifestar a minha homenagem, enquanto Português, a aquilo que foi o contributo decisivo dos cabo-verdianos para a descolonização e para a própria democracia no meu país.
 
E por isso é uma grande honra estar de volta a Cabo Verde como secretário-geral das Nações Unidas.
 
Estou aqui, como é sabido, para participar na Cimeira do Oceano do Mindelo – mas também, e sobretudo, para agradecer a parceria do vosso país com as Nações Unidas.
 
Para saudar os vossos esforços em prol da boa governação e de instituições democráticas fortes e eficazes. Cabo Verde hoje é um exemplo não apenas para a África, mas para todo o mundo.
 
E este exemplo demonstra quão importantes são as políticas económicas centradas nas pessoas e como as mesmas constituem uma alavanca decisiva para o desenvolvimento.
 
Ao longo dos últimos 40 anos, Cabo Verde tem assumido um perfil elevado na defesa consistente da justiça, dos direitos humanos, e da sustentabilidade.
 
Cabo Verde está no caminho da erradicação da pobreza extrema até 2026 –promovendo ao mesmo tempo os valores da tolerância, da diversidade, da igualdade de género, e do multiculturalismo.
 
E tudo isto apesar de grandes adversidades e de limitações estruturais – desde a condição geográfica à dependência das importações, passando pela vulnerabilidade a choques externos como aqueles que o senhor primeiro-ministro referiu, seja o COVID, seja o clima, seja a guerra na Ucrânia.
 
E sei que Cabo Verde – tal como os outros Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, que são uma prioridade na parceria e na acão das Nações Unidas, sei que Cabo Verde enfrenta grandes desafios, tais como as consequências decorrentes da pandemia e sobretudo, o aumento do custo de vida que tem sempre um impacto devastador nas populações.
 
Cabo Verde – tal como outros países vulneráveis de médio rendimento – precisa de acesso urgente a financiamento, bem como de um efetivo alívio e restruturação de sua dívida.
 
E, Cabo Verde está como é sabido, na linha da frente da crise existencial gerada pelas alterações climáticas.
 
Nos últimos cinco anos, sei que Cabo Verde enfrentou uma seca severa.
 
A subida do nível do mar e a perda de biodiversidade e de ecossistemas representam ameaças existenciais para este, como para muitos outros arquipélagos.
E estou profundamente frustrado com o facto de os líderes mundiais não estarem a prestar a esta emergência, uma emergência de vida ou morte, a ação e os investimentos necessários.
 
Estamos perante a luta das nossas vidas. E infelizmente, estamos a perdê-la.
As emissões continuam a aumentar. As temperaturas não param de subir.
 
Estamos prestes a ultrapassar o limite de 1,5 graus e, se nada for feito, [estamos a caminhar] na direção dos 2,8 graus de aquecimento global até ao final do século. Seria uma catástrofe de consequências devastadoras.
 
Várias partes do nosso planeta seriam inabitáveis, particularmente em África, e para muitos, esta seria uma sentença de morte.
 
É pois preciso, mais solidariedade, maior sentido de urgência e mais ambição.
 
E precisamos de justiça para aqueles que – como Cabo Verde – praticamente nada fizeram para provocar esta crise, mas pagam por causa dela um preço muito elevado.
 
Cabo Verde tem demonstrado liderança climática em palavras e ações.

Gostaria de destacar os objetivos de conservação e de proteção marinha de Cabo Verde, conforme estabelecidos na vossa estratégia nacional de desenvolvimento sustentável “Ambição 2030”, bem como os vossos esforços na reconversão da dívida em projectos climáticos, incluíndo investimentos na economia azul.

E aguardamos com expetativa a oportunidade de trabalhar com o governo e com o povo de Cabo Verde para traduzir esta ambição em realidade – nomeadamente no âmbito no recente Acordo-Quadro de Cooperação da ONU, que também identifica a economia azul como uma oportunidade fundamental para promover o desenvolvimento sustentável em todo o arquipélago.
 
Estou mais determinado do que nunca em tentar fazer de 2023 um ponto de viragem para as pessoas e para o planeta.
 
Promovendo a paz e a segurança.

Impulsionando o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a redução das desigualdades.

Invertendo a maré no que respeita à crise climática.
 
E por tudo isto e muito mais, estou profundamente agradecido por ter em Cabo Verde um país que é um parceiro fundamental e que ajuda a construir o caminho para um mundo mais justo e mais sustentável.
 
Muito obrigado.

Pergunta: O senhor secretário-geral falou aqui sobre a necessidade de financiamento climático para Pequenos Estado Insulares como Cabo Verde consigam adaptar-se para as alterações climáticas. O senhor secretário-geral vem agora de Davos, onde passam aqueles que têm em seu poder grande parte do dinheiro que circula no mundo. Parece-lhe que existe no mundo hoje uma sensibilidade maior e uma ação mais concreta e significativa, e não apenas palavras e promessas para que esse financiamento para a ação climática seja efetivamente desbloqueado, e chegue a países como Cabo Verde?

Secretário-geral: Há uma consciência dessa necessidade, mas não há ainda, em minha opinião, uma ação suficientemente eficaz. Tenho defendido com insistência, primeiro, que os países desenvolvidos devem cumprir o compromisso que fizeram em Paris de garantir $100 mil milhões ao mundo em desenvolvimento todos os anos. Deveriam ter começado em 2020, estamos em 2023 e até agora isso não aconteceu para apoiar a ação climática nos países em desenvolvimento. Tenho defendido a necessidade de duplicar os fundos para a adaptação. Adaptação e a capacidade dos países em investirem na resiliência em relação aos impactos climáticos. Houve um compromisso de dobrar o financiamento para a adaptação, mas ainda não vimos um programa de ação que permita ter a certeza de que isso se vai concretizar. Por outro lado, o chamado fundo verde tem funcionado com uma grande ineficácia, e com dificuldades de acesso sobretudo as pequenas economias. E importa que ele seja tornado mais operacional e reformado, e que seja, que o seu volume de recursos seja em pleno no próximo ciclo. Por outro lado, é evidente para mim, que as organizações multilaterais, o Banco Mundial e os diversos outro bancos multilaterais, devem ter um papel muito mais ativo na mobilização do financiamento privado para finalidades climáticas, de mitigação e de adaptação. O modelo de negócio dos bancos multilaterais tem que ser alterado. Têm que estar disponíveis para assumirem maiores riscos, e têm que para além dos empréstimos, têm que produzir muito mais garantias, serem primeiros tomadores de riscos em coligações financeiras e terem como principal preocupação facilitar a mobilização do financiamento privado, a custo razoável, para países tal como Cabo Verde, que têm uma necessidade vital deste financiamento privado. Há portanto um conjunto de reformas essenciais a fazer, e o mundo tem sido lento em reconhecer a sua necessidade, e mais lento ainda em escutá-las.

Pergunta: Muito obrigado senhor secretário-geral. Estamos em dias em que vemos todos os países aumentar drasticamente e exponencialmente os investimento em armamento, em defesa, mas Cabo Verde aposta em erradicar a pobreza em 2026. Que exemplo é este que vê em Cabo Verde?

Secretário-geral: O mais importante dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é a erradicação da pobreza. E a redução da pobreza é uma questão central porque ela permeia todas as áreas da vida económica e da vida social. A erradicação da pobreza necessita de investimento em educação, necessita de investimento em saúde, necessita de investimento em trabalho. E o objetivo de Cabo Verde de anular a extrema pobreza em 2026 corresponde a uma visão estratégica para o desenvolvimento que é inteiramente coincidente com a visão da Agenda 2030 das Nações Unidas. É evidente que estamos a assistir a uma tendência de rearmamento a nível mundial, estamos a assistir não à redução, mas ao aumento das despesas militares. E este é mais um fator que está a limitar a capacidade de apoiar financeiramente os países em desenvolvimento, e espero que esta moda possa terminar em breve.

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THE SECRETARY-GENERAL
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PRESS REMARKS CABO VERDE

 
Ladies and Gentlemen of the press – good afternoon.
 
Mr. Prime Minister, I would like to thank you very much, and to thank the people of Cabo Verde for your warm welcome and wonderful hospitality you have received me.
 
On each of my visits to Cabo Verde, I have always been swept away by its natural beauty, cultural richness, and that unique feeling of ‘Morabeza’, if I am correct in my citation.

The world has benefitted from that richness – from Kriol to the Morna of Cesária Évora – which your vibrant diaspora has carried far and wide.
 
I fondly recall my visit as Prime Minister of Portugal and our work together to establish the agreement you mentioned, the Acordo de Cooperação Cambial that was signed 25 years ago.
 
I believe that this agreement represented more than a link between two currencies, it represented a stronger connection between the Cabo Verdean economy, Europe and the world. And I know that Cabo Verde was able to make the most of the potential of this connection and the opportunities that were created.
 
I will also never forget my visit to the former Tarrafal concentration camp – the site of such horror for so many freedom fighters.
 
I went there with former prisoners, Edmundo Pedro and Sérgio Vilarigues. Their stories of torture and savagery haunt me to this day.
 
This dark chapter must be acknowledged and preserved. 
 
I thank the people of Cabo Verde for working to keep this history alive.
 
Ladies and gentlemen,
 
I cannot hide the enormous emotion I felt, I am not much of a person that cares about honours, but I was very moved when I received from the hands of the then Prime Minister [Carlos] Veiga, the Order of Amílcar Cabral. I know that Cabo Verde is preparing to celebrate the centenary of Amílcar Cabral, and I want once again to pay homage, as a Portuguese, to the decisive contribution of Cabo Verdeans to decolonisation and to democracy itself in my country.
 
And that is why it’s a special honour to be back in Cabo Verde as Secretary-General of the United Nations.
 
I am here, as everyone knows, for the Mindelo Ocean Summit – but I am also here, especially, to thank you for your country’s longstanding partnership with the United Nations.
 
And to salute your efforts to ensure good governance and strong and effective democratic institutions -- an example not only for Africa but the whole world.
 
And this example shows how important people-centred economic policies are and how they are a decisive lever for development.
 
Over the past 40 years, Cabo Verde has consistently championed justice, human rights, and sustainability.
 
Cabo Verde is on the road to eradicating extreme poverty by 2026 – promoting the values of tolerance, diversity, gender parity, and multiculturalism.
 
And all of this despite severe headwinds and structural limitations – from geographic remoteness and import dependence to vulnerability to external shocks like the ones the Prime Minister mentioned, being COVID, climate and the Ukraine war.
 
I know that for Cabo Verde – just like other Small Island Developing States – which are a priority in the partnership and action of the United Nations, I know that Cabo Verde faces major challenges, such as the consequences of the pandemic and, above all, the increase in the cost of living, which always has a devastating impact on the population.
 
Cabo Verde – alongside other vulnerable middle-income countries – needs urgent access to concessional financing, as well as effective debt relief and restructuring.
 
And, of course, Cabo Verde, as is known, is on the frontlines of the existential crisis generated by the climate change.
 
Over the past five years, I know that Cabo Verde has faced a severe drought.
 
Sea level rise and biodiversity and ecosystem loss pose existential threats to this archipelago, like to many other archipelagos.
 
I am deeply frustrated that global leaders are not giving this life-or-death emergency the action and investment it requires.
 
We are in the fight of our lives. And unfortunately, we are losing.
 
Emissions keep growing. Temperatures keep rising. 
 
We are on the verge of racing past the 1.5 degree limit and headed straight for 2.8 degrees of global warming by the end of the century. It would be a catastrophe.
 
The consequences will be devastating. Several parts of our planet will be uninhabitable, particularly in Africa. And for many, this is a death sentence. 

We need greater solidarity, urgency, and ambition.
 
And we need justice for those who – like Cabo Verde – did little to cause the crisis, but are paying a high price because of it.
 
Cabo Verde has demonstrated climate leadership in both words and deeds.
 
I want to highlight Cabo Verde’s marine conservation and protection goals as set out in your national sustainable development strategy, ‘Ambition 2030’, as well as your efforts in negotiating debt for nature swaps to invest in the blue economy. 
 
We look forward to working with the government and people of Cabo Verde to translate this ambition into reality – including through our newly agreed UN Cooperation Framework, which also identifies the blue economy as a key opportunity for advancing sustainable development across the archipelago.
 
I am more determined than ever to make 2023 a turning point for people and planet.
 
To promote peace and security.
 
To advance the Sustainable Development Goals and address inequalities.
 
And to turn the tide in the climate crisis.
 
In all of this and more, I am profoundly grateful to have partners like Cabo Verde helping to lead the way to a more just and sustainable world.
 
Thank you.
 
Question: You have spoken here about the need for climate finance for Small Island States like Cabo Verde to adapt to climate change. You have just come from Davos, where those who hold most of the money that circulates in the world pass by. Do you think that there is a greater sensitivity and a more concrete and significant action in the world today, and not only words and promises, so that this funding for climate action is effectively released and reaches countries like Cabo Verde?
 
Secretary-General: There is an awareness of this need, but there is not yet, in my opinion, a sufficiently effective action. I have insisted, firstly, that developed countries should fulfil the commitment they made in Paris to provide $100 billion to the developing world every year. They should have started in 2020, we are in 2023 and so far this has not happened to support climate action in developing countries. I have argued for the need to double the funds for adaptation. Adaptation and the capacity of countries to invest in resilience to climate impacts. There has been a commitment to double funding for adaptation, but we have yet to see a programme of action to make sure this is going to happen. On the other hand, the so-called Green Fund has been very inefficient and access to it has been difficult, especially for small economies. And it is important that it is made more operational and reformed, and that its volume of resources is full in the next cycle. On the other hand, it is clear to me that multilateral organisations, the World Bank and the various other multilateral banks should play a much more active role in mobilising private financing for climate mitigation and adaptation purposes. The business model of multilateral banks has to be changed. They have to be willing to assume greater risks, and in addition to loans, they have to produce much more guarantees, be the first risk takers in financial coalitions and have as their main concern to facilitate the mobilisation of private financing, at reasonable cost, for countries such as Cabo Verde, which have a vital need for this private financing. There is therefore a set of essential reforms to be made, and the world has been slow to acknowledge their necessity, and slower still to listen to them.
 
Question: Thank you very much Mr Secretary-General. These days we are seeing all countries drastically and exponentially increasing their investments in arms and defence, but Cabo Verde is committed to eradicating poverty by 2026. What is this example that you see in Cabo Verde?
 
Secretary-General: The most important of the Sustainable Development Goals is the eradication of poverty. And poverty reduction is a central issue because it permeates all areas of economic life and social life. Poverty eradication needs investment in education, it needs investment in health, it needs investment in jobs. And Cabo Verde's goal of eliminating extreme poverty by 2026 corresponds to a strategic vision for development that is entirely coincident with the vision of the United Nations Agenda 2030.  It is clear that we are witnessing a trend of rearmament at the global level, we are witnessing not a reduction but an increase in military spending. And this is another factor that is limiting the ability to financially support developing countries, and I hope that this trend can end soon.